É preciso explicar que foram feitas inúmeras viagens(desdobramentos) na tentativa incansável de manter a ordem cronológica dos acontecimentos.
A primeira observação que pude notar foi quanto a data de nascimento do nosso mestre: Há uma diferença de seis a sete anos em nosso calendário.
Outro ponto significativo é que não tenho nenhum conhecimento das diversas línguas e dialetos falados na época. Podia diferenciar o aramaico do grego, o italiano da língua judáica, mas as outras...
Mas uma coisa que Phaíbe me ensinara foi sentir a palavra, o pensamento, o sentimento. E de alguma forma pude entender o que se passara numa época tão misteriosa, quanto aos seus personagens.
Descobri fascinado que a verdade é bem mais fabulosa do que a ficção. E descobri tambem, que as únicas e verdadeiras anotações registradas pelo sistema, pelo governo dominante, são as cobradas pelos impostos.
(nota do autor).
Foram meses de preparativos. Phaíbe dedicava-se como nunca
nos cuidados de minha saúde. Qualquer deslize ficaria preso a um
corpo inerte completamente catatônico e isto me assustava muito.
Estranhos rituais e uma alimentação que não me atrevo a mencionar fizeram parte de minha dieta por um longo tempo. A disciplina era primordial e até uns estranhos e doloridos exercícios eram necessários.
Phaíbe explicava que Jesus não foi e nem seria o último dos avatares. Antes dele citara um homem chamado Mória-el que já havia introduzido no Egito a doutrina da regeneração como recompensa do arrependimento. Falou tambem de Buda, Crisna, Zoroastro, todos seguidores do monoteísmo em épocas onde vários deuses eram cultuados.
Foi categórico ao lembrar-me que jamais poderia mexer nos acontecimentos, isso significava que eu jamais poderia influenciar pensamentos alheios na forma de indução magnética, - lembro que tudo que existe é o produto de uma manifestação elétrica natural, sutil ou etérica, e , o pensamento é uma manifestação elétrica, ainda que psíquica.
Aconselhou-me a controlar a raiva caso cruzasse com algum personagem como Judas. Deveria sim, observar atentamente um tal de Caifás. Na hora, não entendí o porquê.
Fiquei a olhar aquela bela ave de rapina se perder ao longe por entre as montanhas de pouca vegetação. Ainda sentia o seu cheiro, pois ela havia me ajudado a chegar em segurança pelo tempo, a uma época tão distante da minha com uma impecável dança por entre as nuvens, por entre os ventos, por entre os pensamentos. Agora, a discrição era primordial. Qualquer descuido de minha parte - avisava Phaíbe -, poderia ser fatal.
Aquela bela águia parecia saber o que tinha acontecido. Fiquei imaginando se ela saberia a hora de minha volta.
Procurei não pensar.
A palestina na época não era uma nação homogênea com idioma próprio ou interesses que mantivessem unido todo o povo, mas sim, um território de muitas nações com povos que falavam línguas diferentes. Os que professávam o judaísmo pertenciam a um grupo que se havia originado quando do êxodo ou saída do Egito ao comando do profeta Moises. Aturdidos e impulsivos, qualquer motivo os induziam a julgar e a sentenciar com o apedrejamento até a morte. O mínimo era a difamação e a exclusão social do indivíduo - se bem que as mulheres eram as maiores vítimas. Pra se ter idéia, até os filhos de mães que não tivesse contraido matrimônio, eram excluídos pelos outros. Todos os costumes eram cheios de preconceitos, supertições e maldições.
Por mais que tentasse me controlar, a ansiedade de presenciar os acontecimentos ao vivo e a cores me deixava eufórico. Aliás, tudo que sabia era um resto forjado de uma história complexa manipulada pela antiga igreja cristã. É sabido que a própria igreja mandara destruir, após analisar fervorosamente, todos os registros encontrados da época. As anotações deixadas pelas testemunhas oculares fugiam extraordinariamente das afirmações públicas quanto ao nascimento, vida e crucificação de Jesus.
Não entendia o que diziam, mas sentia o que realmente pensávam, como se o sentimento fosse uma linguagem própria ao meu entendimento.
O barulho das cidades não eram mecânicos e nem elétricos mas produzidos por instrumentos pesados e rústicos. Gritarias, marteladas, bodes, crianças, pássaros e relinchos compunham uma simplória melodia diária. As mulheres falávam baixo e suas ações eram na maioria das vezes simples e submissas. Era normal sentir o cheiro de incensos, de oliva, de uva e fezes de animais.
Os homens tinham por costume de se banharem em piscinas públicas antes de suas preces. As suas vestes, apesar do incrível calor, eram compridas limpas e aromatizadas.
Ao contrário do que se pensa, a crucificação de Jesus não foi feita pelos judeus em protesto contra seus ensinamentos ou punição à sua tentativa de se tornar seu líder, o que observei nos comentários em pequenos grupos, é que Jesus não passava de um subversivo para o sistema Romano, para os grandes sacerdotes ortodóxicos. O que não seria difícil de comparar os dois conflitos ideológicos no século XXI; enquanto as doutrinas modernas pregam uma mensagem de desespero, que "-Vós todos sois filhos do mal, nascestes em pecado e viveis em pecado e em pecado morrereis" e isso tudo com um dedo divino enorme apontando, acusando e mandando-o para o inferno, e, que "-Há o reino dos céus afastado de vós e não poderá ser alcançado jamais, a não ser que nasçais novamente e através da regeneração vos purifiqueis e sejais salvos dos pecados que haveis herdado". E era justamente o que Jesus fazia, contrariando idéias antigas impostas ao povo com sangue e morte.
O pobre, doente e aleijado não podiam lavar-se nas piscinas públicas para atravessarem as grandes muralhas ao acesso nos luxuosos palácios de oração, e Jesus combatia isso com amor. As pessoas buscavam nele não os grandes milagres que diziam fazer, mas as palavras de grande riqueza que os enchiam de esperanças. "-Bem aventurados os pobres de espírito, pois deles é o reino dos céus", "-Bem aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus". "-Onde um ou mais postar uma pedra ou tronco e orar ao pai em meu nome, lá estarei. E não nas pedras dos grandes palácios e mansões..."(Igrejas?).
Notei que acontecia algo fazendo com que as pessoas levantassem o pescoço na tentativa de ver um homem chegando: um homem que me parecia simples e que cavalgava numa mula magra. Era ele, o rei dos judeus.
continua...